Apesar do sucesso comercial das atuais chanchadas eróticas, que substituíram as antigas chanchadas da Atlântida, os exibidores não estão nada animados. E, ao mesmo tempo, os produtores se movimentam na defesa dos seus interesses, opostos aos dos exibidores. Pobre cinema nacional que continua de crise em crise.
Os arraiais do cinema nacional estão, novamente, em ebulição. Tiros (inovações, polêmicas, reivindicações) de todos os lados. Senão, vejamos.
Anuncia-se um projeto de fusão do INC com a Embrafilme. Sinal da confusão institucional: primeiro desfundiram; agora, vão fundir outra vez. Logo também agora, quando se aciona a mudança do INC para Brasília - aliás outra deslocação absurda de orgão governamental para a capital onerosa, inflacionária e antifuncional, pois a maioria dos produtores estão sediados no Rio, São Paulo e adjacências. Ninguém sabe ao certo, voltando à vaca fria, o motivo da fusão. Só se sabe que, numa época de propalada descentralizacão administrativa, a medida, aparentemente, é contraditória. Só se sabe também de uma coisa: se a medida tem o objetivo de punir a Embrafilme pelo financiamento das preciosidades pornográficas que enchem nossas salas de projeção, é sinal de mais uma aplicação da anedota do sofá. Pois a pornografia não está no corpo; side nas instâncias mais indevassáveis da alma.
Mas enquanto isso acontece - com o desfilar razoavelmente elaborado, sob o aspecto técnico, de produções dignas da velha Praça Tiradentes (o que não é desonra, é mera constatacão) - os censores nacionais vão proibindo, cortando, emasculando a maioria das produções estrangeiras, sejam elas de alto ou de baixo nível, reduzindo-nos a uma das mais possantes províncias culturais na face da Terra (o Brasil, por exemplo, ganhou o galardão de não poder ver A Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, e não verá o Último Tango em Paris). Outra amostra do confusionismo. Ou então, uma demonstração de que a Censura, ufanosa, marcha na toada nacionalista.
Mas, apesar do sucesso comercial das atuais chanchadas eróticas, que substituíram as antigas chanchadas da Atlântida, os exibidores não estão nada animados. E não deixam, em parte, de ter fundamento. Montaram seu negócio a fim, logicamente, de lucrar (afinal, estamos ou não num regime capitalista?). Como lucrar? Apresentando, ao público, aquilo que este mesmo público gosta de assistir. Mas, por causa da lei da obrigatoridade, são forçados a exibir autênticos abacaxis, inocuidades técnicas, que esvaziam as salas, dão prejuízos, especialmente nos centros urbanos, onde o menor índice de analfabetismo torna menor o interesse pelo cinema brasileiro.
Então, os exibidores mandaram um manifesto ao Ministro Passarinho. O manifesto até que é bem incisivo, inclusive no tocante às autuações praticadas pelo INC. Mal tiveram ocasião de tomar conhecimento do texto pularam os produtores; e já se arregimentam novamente a fim de defender seus interesses que são opostos aos dos exibidores. E o MEC, via lNC, ou através do próprio ministro, será, outra vez, o árbitro da contenda.
Mas essa contenda sempre existirá enquanto não se levar a realidade em conta, enquanto as soluções forem formais e os incentivos à industria excessivamente diretos, como, neste caso, por exemplo, o estabelecimento de dias obrigatórios de exibição. Ninguém quer examinar as tendências do público. Os diplomas legais de estímulo e proteção ao nosso cinema são feitos como se fôssemos uma ramificação da Suíça, como não tivessemos, ao longo de um vasto território em país subdesenvolvido, realidades culturais as mais diversas. O público de Roraima não é o mesmo que o do Rio, o do Acre não é o mesmo que o de São Paulo. E a confusão continua.
Aí novamente, enquanto o bate-boca se alastra, insinua-se, pelos canais da Câmara dos Deputados, mais um mafioso projeto de dublagem obrigatória dos filmes estrangeiros exibidos no Brasil. São tantos os argumentos concretos contra tal aberracão, que nem vale a pena repeti-los. Basta, aliás, ligar diariamente os aparelhos de TV para constatar o espetáculo da indigência. O que vale ressaltar é a inidoneidade dos argumentos favoráveis à contrafação. Um deles, mais corriqueiro, diz respeito à ampliação do Mercado de trabalho. Muito social, muito bonitinho. Mas ninguém ignora que a criação de mercado de trabalho depende de investimentos empresariais e estes não precisam dirigir-se obrigatoriamente para a dublagem e, sim, para coisas socialmente mais úteis. Caso contrário, por que não ampliar industrialmente - em vez da dublagem - a produção de maravilhas, como a cocaína ou a marijuana? Talvez, surgisse até um maior número de consumidores... Num pais onde, absurdamente, não se oficializa o jogo, deseja-se oficializar a dublagem.
Por outro lado, existem alguns que apresentam uma fórmula submaquiavélica: com a dublagem, emascula-se o filme estrangeiro e, em decorrência, melhora a imagem do filme nacional. Comprova-se que o interesse por arte, cultura, educação é lixo; só não é lixo o dinheiro que vai entrar no bolso. Só não se quer perceber que a dublagem do filme estrangeiro, provavelmente, se tornará o maior inimigo do filme nacional.
E aí, quando este estourar de vez, com tanto confusionismo, por que não realizar uma superprodução metalingüistica, de despedida, uma chanchada em cores, com todos os temas e personagens em cena: INC, Embrafilme, censores, produtores, donos de laboratório, exibidores, distribuidores, todos pulando, todos rindo e gritando, tudo dublado para o tupi? Talvez, assim, um canto de cisne tão agitado consiga emitir uma fênix salvadora…
Correio da Manhã
16/04/1973