Um assassino misterioso, à distância, munido de rifle de longo alcance, mata, em dois dias, quarto pessoas (a quinta vítima um gari ele estrangulou porque estava de posse de sua arma). Não há elo ou lógica entre os crimes. Tudo nos cenários naturais de Nice, onde um inspetor (Jean-Louis Trintignant), pressionado pelo subprefeito e outras autoridades, tenta solucionar o caso.
Apesar de se tratar de espetáculo sem dúvida aceitável, Sans Mobile Apparent representa mais uma oportunidade perdida de conferir ao gênero do filme policial levado a sério como entretenimento, o seu status de outrora. Trata-se de produção encetada com um aparato técnico bem razoável, com o mínimo de recursos indispensável. Mas, em matéria de surpresa, tensão, suspense, a não ser na consumação isolada e engenhosa de um ou outro detalhe, o tiro sal pela culatra.
Veja-se, inclusive, que além dos mencionados recursos de produção, contava o filme com a presença de atores de bilheteria certa como Jean-Louis Trintignant ou Dominique Sanda (a dupla de O Conformista), ambos na fase "quente" de suas carreiras. Mas o trabalho de direção e roteiro não manifestou maiores intenções criativas ou mesmo o interesse em manter a geometria clássica da organização do foco de mistério.
Pelo contrário, qualquer espectador mais atento ou experimentado, logo notará a posteriori, pelo detalhe do braço ferido o prenúncio da identidade do assassino. Logo depois, também, no cerco ao quarteirão, pela cor do casaco, terá outro documento de identificação.
Durante mais ou menos uma hora e vinte de projeção, permanecem policiais e demais suspeitos ou personagens curtindo o mais negro dos mistérios. Mais dez minutos finais de bola em jogo e tudo se descerra, derepente, não mais que de repente, do modo mais antifuncional, analisado o problema em termos de construção dramática. O assassino que, até então, demonstrava a plenitude do savoir-faire, eficiência, frieza e precisão, reage com a ingenuidade digna dos pivetes que arrancam as bolsas das mulheres em nossas ruas. E a explicação de vingança sadopslicanalítica é atirada em bruto ao público, tal qual um elemento fora de tom com a trama.
Veja-se o caso da personagem interpretada por Dominique Sanda - uma das figuras femininas mais fascinantes do cinema atual. É uma personagem antifuncional, que em nada contribui para o desenvolvimento da história, assim como é inteiramente antifuncional (embora, sem dúvida, extremamente agradável) a cena do princípio, onde sai de um banho para atender à porta, e mostra os seios à platéia.
Quanto ao naipe feminino, Carla Gravina e Stéphane Audran aparecem menos, porém têm mais a dizer quanto aos crimes em andamento. Trintignant assina o ponto com algo de nonchalance. O diretor, Philippe Labro, não disse em muito-a-que-veio.
Última Hora
09/10/1972