O granguinhol bem elaborado. O amoralismo frio em banho-fantasia. O distanciamento total de qualquer diálogo com a realidade - em contraposição, o convite ao deleite do espetáculo.
Nada a opor Roleta Rússa é um dos mais bem administrados filmes do cinema nacional. A turma do exército da salvação, que fala na necessidade vital da arte, engajamento com o real, ensinar o público a ver as coisas e outras conversas fiadas, certamente, irá espinafrar, sem inclusive, notar o que há de relativamente inventivo. Azar dos preconceituosos: em lugar da sensação da roleta rússa, preferem o suicídio da roleta portuguesa. Como aquelas "senhoras" sessentonas, saindo da sessão com cara amarrada (pseudo-irritação contra o nudismo e o amoralismo) e que, pavloviamente, voltarão correndo, logo ao segundo giro do tambor. A essa espécie de público, em especial, se destina a fita.
Vitória do homessexualismo, tal como no recente Viver de Morrer, de Jorge Déli. Só que, aqui, é o lesbianismo (também já vitorioso noutras realizações estrangeiras). Bráulio Pedroso, que é o autor quase total do filme (argumento, roteiro e direção), estava à vontade para esticar sua corda do insólito. Contrastes, contra-pontos e até alguns bossismos de narrativa não mal sacados.
Uma fotógrafa que chuta com os dois pés em material de sexo, que tem o prazer de se personalizar como uma espécie de Marquês De Sade alegórico; um homem rico, metido a galã, com a mania de fingir tomar o risco da roleta rússa; sua mulher, que quase não fala e é a hipotenusa do triângulo ao inverso. E entre os personagens acessórios, a figura do auxiliar da fotógrafa, que lembra bastante o gosto pelo bizarro e o jogo rococó de situações, forjado pelo realizador.
Pode-se dizer que o ritmo de Roleta Rússa flui com bastante eficácia e que o bom gosto, a começar pelos créditos muito bem concebidos, permanece presente em várias partes do espetáculo - fator ainda bem raro no nosso cinema. Há um critério de estilização e este foi seguido de acordo com o projeto. Chama-se isto de seriedade profissional.
E até que, através de toda a parafernália esteticista, chega-a-se à sensação funcional de inutilidade. Aqui, a fotografia anedótica tem, por analogia, dentro do esquema da obra, peso idêntico ao de Blow Up, de Antonioni. A fotografia das fotografias de uma farsa dramática, a representar a farsa da vida para determinadas classes de pessoas. Isto não vem dito, direta e discursivamente, pelo filme, mas, sim, indireta e funcionalmente, através do filme. Por querer ou sem querer.
Apesar de alguns detalhes ainda precários (extras que não sabem enunciar naturalmente uma frase, sequer emitir um gesto), Roleta Rússa traduz um passo positivo do cinema brasileiro.
Última Hora
21/11/1972