Chandler assinala, até certo ponto, o parentesco aproximado com o antigo estilo e clima de alguns filmes do gênero. Exprime, em paralelo, alguma coisa do herói bogartiano (à la Humphrey Bogart), protagonizado agora por Warren Oates.
Claro que tal ambiência, hoje em dia, ganha ainda uma dose muito maior de cinismo e sofisticação (e, mesmo, radicalização, quanto ao desprezo de alguns mitos e instituições a começar pelo próprio poder público).
Nada da pureza do gênero, tal como outrora concebido. Aqui há o pecado original da inteligência, a começar pela ironia que perpassa por toda a trama e raramente aflora de maneira frontal. Inexiste personagem previamente escalado a fim de dar o recado do cineasta, a não ser no detalhe, no intelectualismo auto-referencial, como quando o protagonista, referindo-se a seu nome (Chandler), completa-se com aquele outro prenome, de Raimond - famoso autor de histórias policiais e do qual já sairam roteiros para filmes, desde longo tempo.
O diretor, Paul Magwood, revela-se com fumaças na especialidade. Talvez ocorra um certo excesso do cerebralismo estéril e a frieza que mina a criatividade, porém, no gênero, estamos diante de uma fita indiscutivelmente interessante. Por exemplo: pela capacidade de abstração, de iluminar uma idéia geral quando todos os atos e situações são signos dentro do processo. Outro ponto curioso: o distanciamento que dilui a catarse principalmente aquela dos efeitos da violência. Numa época onde o cinema se aproveita intensamente da liberdade de expreesar sexo e violência, em especial nas realizações do gênero de Chandler, esta elimina o primeiro e toma a segunda algo elegráfica - fica chocante em termos de concepção, mas, aqui, não traz a purgação para o espectador.
A trama é daquelas que o cinema americano, com o seu savoir-faire, já espelhou em várias fitas anteriores: a arquitetura amoral de ciladas e traições e fim de que a organização, o aparelho, o estabelecimento, elimine seus empecilhos - num sentido mais amplo, a fim de que se sobreponha ao homem, ao ser humano. É o mesmo processo que põe coisas como PC ou CIA, no mesmo saco imoral - ou aquela velha desculpa bestificante de que a pátria paira acima da individualidade. É a demonstração da cena final, muito bem sacada. anedoticamente, de que os serviços eficientes prestados à organização esvaziam o sujeito de sensibilidade, apesar das manifestações externas de requinte e senso de humor.
Warren Oates personifica bem o protagonista, vítima e inimigo da engrenagem oficial. Leslie Caron retorna com rugas, aqueles mesmos lábios grossos, mas dá para o expediente. Pena é ver uma atriz tão admirável, como Gloria Grahame, reaparecer numa ponta tão modesta.
Última Hora
02/10/1972