Novecento era um projeto ambicioso demais. Então, vieram as razões dos produtores, baseadas em possíveis contratempos de bilheteria e metragens das asas da ambição foram podadas. Isto, em parte, pode ter prejudicado o filme, apesar de sua concepção de painel no tempo.
É o tempo deste século, mas examinado apenas por um prisma – o da luta de classes. Mas – é evidente – neste século, aconteceram coisas tão ou mais importantes que o socialismo. A Lei da Relatividade ou a Segunda Revolução Industrial são exemplos frisantes. Ou o desenvolvimento da aplicação do próprio filme: fotografia, reprodução em massa de documentários, cinema ou televisão – esta última, a principal forma de cultura da atualidade.
Esta obra de Bertolucci, a rigor, nem pode ser considerada um filme político. Ou seja: um filme, cuja dialética dos elementos (som, imagens, diálogos, movimentos de câmera, atores etc) venha a gerar formas de reflexão. Neste ponto, realizações como o recente Una Giornata Particolare (Um Dia Muito Especial) de Ettore Scola, Os Companheiros, de Marios Monicelli, O Jardim dos Finzi Contini, de De Sica, para ficarmos a Itália, são bem mais instigantes. Sem falarmos em Hiroshima Meu Amor e A Guerra Acabou, de Alain Resnais.
Novecento nos dá tudo mastigado pelos autores, inclusive com as próprias contradições internas de cada classe social. A crueza ou audácia de determinadas cenas não compensam alguns estereótipos ou uma clicheria para o comportamento humano. Isso até nos leva a Hollywood. Bertolucci fez o seu Vento Levou à esquerda, mas sem a leveza, o flavour dos mestres do espetáculo.
Mesmo assim, é através do espetáculo que o filme se sustenta. Seqüências muito bem dirigidas: a morte de Berlinghieri no estábulo, Alfredo se colocando debaixo do trem que leva Olmo para a guerra, a cabeçada de Attila no gato para explicar como se liquida o comunismo ou camponeses enfrentando os soldados da repressão, cantando, as mulheres deitadas no chão. Em suma, o excelente nível de interpretação, a começar pelos calejados e hollywoodianos Burt Lancaster e Sterling Hayden. Quanto à fotografia, mereceu um registro à parte. É uma das cinegrafias mais belas dos últimos anos, mas quem for assistir à cópia em exibição no Leblon (pelo menos esta) não terá direito à fruição. Seu estado não é bom e os contrastes exagerados. Mal dá para enxergar muitas cenas de interiores. Enfim, um dado para Bertolucci pensar. Por que o nacionalismo, filho ambíguo (do comunismo ou fascismo), quando se radicaliza promova a incompetência e obriga filmes, como 1900, a serem copiados em laboratórios brasileiros?
Jornal do Brasil
29/09/1978